A CATEDRAL
Deparei-me, na borda do oceano, com a mais bela catedral, enorme redoma de azul diáfano, apoiada sobre vales e montanhas com vários tons entre verde e cinza, de onde sobem as paredes, adornadas por nuvens esculpidas como ovelhas e anjos barrocos, brancos e rechonchudos.
O seu piso verde-azulado, semovente, pleno de vida e fonte de vida, ondula ao sabor do vento, avança e beija a praia, atraído por sua paixão lunar.
E ao fundo da nave monumental, onde o líquido e o etéreo compõem o altar do horizonte, emerge o irmão sol, inundando o templo com o brilho de seu ouro, ao mostrar-se como hóstia alçada para ser consagrada na celebração de mais um dia.
Ao entardecer, no arrebol multicolorido, a hóstia é encerrada no sacrário da noite pelas mãos invisíveis do sacerdote eterno que a pouco a elevaram.
Após a genuflexão do anoitecer, quando milhões de luzes faiscantes são espargidas pelo teto infindo,
surge a irmã lua, iluminando timidamente o céu escurecido, qual cálice prateado, para completar a consagração diária das criaturas, sem distinção entre as ovelhas perdidas e os faróis de virtudes.
Esse templo natural a todos recebe e, no entanto, poucos se dão conta dele e da mensagem sublime que palpita dessa obra-prima divina, com suas capelas secretas e seus santos liames intrincados e de equilíbrio tanto perfeito como frágil, tão miraculosos que se faz mister contemplar humildemente ajoelhados.
Dele emana a noção de infinito, porque o céu não mostra seus limites. Ensimesmado na contemplação deste santuário, o ser humano compreende que, em chegando ao pretenso limite, outro espaço existe. E esse entendimento leva à dificuldade de aceitar que tal imensidão, plena de maravilhas, se deva ao acaso.
Embebida pela magnificência da catedral à beira-mar, minha alma se rende à fé na existência do Criador.
E, contrito, lhe pede perdão por haver profanado o seu templo como um iconoclasta que destrói os nichos sagrados a golpes de gás de efeito estufa, que dizimam os corais; com redes esquecidas e as de arrasto de fundo, que empobrecem a diversidade;
com o lançamento de efluentes, óleo, plástico e minerais tóxicos que envenenam e desequilibram a vida no solo, na água e no ar.
Não terei nem a desculpa dos que não sabem o que fazem, que Jesus concedeu aos seus algozes. Imagino que se eu perguntasse ao Senhor como fazer-me digno de entrar em seus santuários, ele responderia: -“Purifica-os e não volte a sujá-los!”, como simples e complexa penitência. Retorno para casa remoendo a advertência de profetas atuais, ratificados pela encíclica de Francisco, contra nossa voracidade em consumir os recursos naturais e nosso descaso com a preservação:
“Algum dia, não muito distante, poderá ser tarde demais para o oceano e para a vida na terra...”.
Teríamos que viver fora daqui. Encontraria, então, o ser humano, nas mais de 170 bilhões de galáxias estimadas, um novo santuário, a uma distância alcançável, que o recebesse como emigrante, após ter ele deixado para trás, como seu maior feito, um minúsculo planeta da Via Láctea arrasado e sem vida?
Amanhã cedo volto à beira-mar para rever a catedral, orar durante a consagração do sol e, como penitente, catar, na areia, algumas tampinhas esquecidas de garrafas de água mineral, para começar...
Por: Marcio Voss
Balneário Coroados, Guaratuba, Pr.